Acordei afogada em nostalgia, respirando o passado e na boca o gosto da infância. Como era bom aquele tempo em que os problemas simplesmente não existiam, e para tudo havia uma solução tão fácil, tão óbvia.
Não tinha amigos na rua, passava o tempo entre casa e escola, mas nunca fui sozinha. Tenho uma irmã. Apesar das brigas tolas e, é claro, inevitáveis, daquela idade, a gente brincava muito juntas e sempre nos protegemos, cuidamos uma da outra, até quando não precisava de nenhum cuidado. Na verdade éramos nós e mais uma prima, que vinha aqui para casa todos os dias. Um tipo de irmã postiça.
Brincávamos de bola, de boneca. Boneca era a maior parte das vezes, pelo que eu me lembro. Passávamos a manhã toda montando as nossas “casinhas”, era uma graça. Podíamos passar o dia inteiro assim. Esses eram dias muito bons. Dias de verão, em que o sol é tão quente, que até a brisa, que vinha de vez em quando , batia quente no rosto, lembrando vapor de chaleira.
Nos finais de semanas e nas férias, a união era maior. Todos os primos iam para a casa da avó. O que antes era só nós três, passava a ser oito. Desse jeito, tudo parecia com mais cor. Juntos nem víamos o dia passar. Alguns dias de julho, eu ficava só com uma prima tagarelando e com umas brincadeiras estranhamente loucas que a gente inventava, em cima do pé de goiaba. Claro que também durante muito tempo desses dias aproveitávamos para comer muita goiaba. E como a gente sempre dizia não é Vi: “Ah se esse pé falasse!”. Quantos sonhos foram depositados naqueles galhos, quanta conversa sobre tudo, sobre todos aquelas folhas tiveram que ouvir. Uma boa parte de nós duas está entranhada naquele pé.
Lembro também dos nossos clubinhos: tinha um que montamos na dispensa da casa da avó, era estreito e ficava ainda menor, por causa das coisas e porque éramos muitos para aquele local. Era um pouco abafado, não lembro de nenhuma abertura fora a porta para que entrasse um pouco de ar, mesmo assim adorávamos ficar ali; tinha um também com a importância menor que era aqui em casa, fazíamos algumas festinhas, festa junina, festa de carnaval, esse tipo de coisa. Depois os “clubes” mudaram de sentido, fazíamos festas para nós, acho que todo sábado a gente ia para a sala da casa da Ru e ficávamos dançando, inventando passos, imitando cantores. Tinha também as festas na garagem. Quem não lembra delas né? Essas tinham mais cara de festas mesmo e não aconteciam com tanta frequência. Passávamos a tarde arrumando o local, chamávamos uns amigos e tava pronta a festa. Eram muito legais, ou pelo menos é essa a sensação que eu ainda tenho quando lembro delas, e uma onda de felicidade se cria em mim.
Voltando anos antes, lembro também de uma piscina, que montávamos aqui em casa nos finais de semana. Só os primos vinham, é claro, e era uma felicidade para todos nós. Lembro também de andar de bicicleta no campinho, de uma gincana entre vizinhos que não nos deu a vitória mas nos deu lembranças muito engraçadas daquele dia, lembro do vôlei na calçada em pleno meio dia, com o sol a pino no céu.
A vida se estendia um pouco além da família. Na escola fiz algumas amizades que sei que vou ter comigo sempre, pessoas que eu posso dizer que conheço a vida toda, como costumamos falar: “É um casamento”, devido aos muitos anos juntos. E amigos que apesar de não fazer tantos anos assim, também são muito importantes. Amizades verdadeiras que vão duram e se prolongar muito além de nós mesmos.
Na infância também foi quando comecei esse meu vicio: escrever. Desde cedo tomei gosto pelas palavras. No inicio, as palavras dos outros, depois de um tempo, as minhas próprias palavras. A leitura também me acompanha a várias estações.
Apesar do colorido bonito na maior parte das lembranças, claro que houve alguns dias de chuva, algumas manchas no papel, mas essas é melhor conservá-las em silêncio. Assim a dor que já não dói, se mantém presa ao que já passou, como poeira.
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