quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Clandestina

      A primeira vista foi estranho olhar um lugar tão familiar e no entanto não reconheçer nada familiar nele. De verdade, tudo aquilo me feria os olhos de tal modo que as lágrimas pareciam não brotarem dos meus olhos, mas sim da minha própria alma. Senti-me estrangeira com entrada clandestina em terras (des)conhecidas.
      Impossível não comparar com o passado.Impossível não recordar. As lembranças, todas elas até as empoeiradas e amarrotadas pelo tempo, preencheram minha mente e esmagavam qualquer ideia ou pensamento que eu poderia ter naquele instante. Não conseguia me concentrar em nada além da saudade que sentia maltratando todo meu ser.
      Os novos quadros, novos móveis eram como se alguém tripudiasse sobre a minha dor que a essa altura já era tão presente que se tornava física. Dor de cabeça.Meu coração batia por bater como um relógio que funciona por funcionar, sem emoção, sem a felicidade da verdadeira pulsação.
      Tentei esbanjar um sorriso cordial que se desfez em segundos sem durar o bastante para alguém notar que ele esteve ali. A tristeza transparece em mim como algo refletido nas águas claras de um rio. Anseio por um abraço, um consolo e ainda busco nos cantos algum vestígio de familiaridade, contudo é uma busca em vão. Tudo novo. Continuo clandestina.
      Não há mais o aconchego onde antes era minha segunda casa, não há tanta intimidade para livres passos por todos os cômodos, até a luz parece ser refletida de maneira diferente. Uma sensação estranha percorria todo meu corpo, assustava meu ser.
      Estrangeira na terra que me criei. Quanta estranheza isso me causou. Não suportava mais minha alma tão sufocada ali. Precisava de ar. Precisava sair dali. Sai, então, a francesa e parti de volta a minha pátria sem ao menos olhar uma última vez. Afinal, clandestinos não se despedem.

Materialização da Felicidade

Andava distraida como quem anda com uma ideia na cabeça ou talvez um grande sonho. Andava sem prestar atenção nas cores, sem ouvir direito os sons.Tudo simplesmente ia passando.
Os passos eram curtos, as vezes rápidos e em todas as vezes seguros.
A chuva molhava o rosto misturando-se com algumas lágrimas, enxarcava os pensamentos e no meio disso tudo, devagar aparecia um leve sorriso. A esperança banhava a alma que fazia brilhar os olhos e era o motivo já de altas gargalhadas.
Ia andando pela rua, cantando na chuva, achando graça até da própria sombra.Materialização da felicidade.
Agora, sentada na calçada,a chuva acabada, mas ela inteiramente molhada com os cachos ainda pingando, a menina despertada dentro da mulher, não resiste pega uma folha sobrevivente a água faz um barquinho e deixa ele navegar em uma poça.
O céu está tão lindo nesse momento, a lua parece contar segredos as estrelas. É nese cenário mágico que a menina se despede do barquinho e volta a andar distraida como quem anda com uma grande ideia na cabeça ou talvez um grande sonho, carregando nos lábios um largo sorriso.



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Triste Recado

  As palavras foram lançadas sobre mim logo de manhã cedo. Primeiro caíram pelos meus ombros e depois deslizaram até meu colo. Todo meu ser estremeceu. Algo em mim, ficou tão perplexo que fiquei imóvel.
  As palavras seguintes passaram por mim quase como brisa, não me detive a quase nenhuma. Fiquei tentando recordar do recado, mas acho que a brisa foi suave demais eu não me atentei a todos os detalhes. Anos atrás, essa imobilidade já me atingiu, era pela mesma razão, só que uma situação diferente.
  O recado da morte sempre faz o meu espírito congelar, e nos últimos tempos esse arrepio que sobe a espinha está aparecendo mais vezes. Seguindo a lógica do meu padrinho: todos temos que desocupar para dar lugar aos que estão por vir, se for assim, creio que os nascimentos têm se multiplicado, porque as mortes não param nunca.
  E de algum modo, toda essa melancolia fúnebre combina com o céu um pouco cinza. O céu hoje acordou condizente com a cerimônia. Talvez seja um preparo para as almas subirem.
  Desculpe por estas palavras tão negras, mas é que o frio ainda está congelando todo meu ser e a única coisa que consigo deixar fluir naturalmente são as palavras, que vão aflorando e jorrando de mim, se desprendendo da cabeça e se debatendo sobre a folha de papel.
  Espero que logo o dia claro torne a aparecer nesse cenário, não suporto mais tantas lágrimas do céu, tanto sofrimento a me rodear. Por fim, quero que o consolo venha depressa aos corações despedaçados que ficaram habitando ainda por aqui.